A amamentação é um dos temas mais importantes da maternidade e do desenvolvimento infantil. Nesse artigo vamos abordar como você pode adotar uma postura neurocompatível para a amamentação e também sobre como fazer um desmame neurocompatível, caso essa venha a ser sua escolha.
Amamentação como regulador emocional
Evolutivamente falando, a amamentação é um poderoso regulador emocional para o bebê, um autoregulador. Ele depende da amamentação para regular suas emoções e isso é muito forte.
Falamos que mamar no peito é autoregulação para a criança porque ela não é passiva no processo, ela busca essa regulação ativamente.
Por isso, é comum ver bebês que buscam o peito nas mais diversas situações de desconforto ou insegurança. Se estão tristes, querem o peito. Se estão com dor, querem o peito. Se choram querem o peito. E assim por diante. E está tudo bem, esse é realmente o comportamento esperado.
Infelizmente vemos muitas opiniões, muitas vezes de parentes, falando coisas como “quanto mais você der o peito mais a criança vai querer”, “se você der o peito toda vez que ele chorar, ele não vai parar de mamar nunca”. Mas é isso mesmo, não deveríamos querer que um bebê pare de buscar aquilo que o conforta e apoia sua regulação emocional.
Apesar dessas opiniões, precisamos lembrar que por ser um auto-regulador importante, o peito serve não só como refeição, hidratação ou qualquer variação disso mas também “solução” para birra, cansaço, dor, sono, diversão, tédio e qualquer outra coisa que você queira listar aqui.
Caso você não tenha tido a possibilidade de amamentar, por dificuldades físicas, emocionais ou por escolha, ainda pode apoiar a regulação do seu filho através do toque e também buscando alimentá-lo na mesma posição usada para amamentar sempre que possível.
É importante aliás reconhecermos a importância toque, para quando houver o desmame de todo modo: o toque é outro regulador emocional importante, tão potente quanto a amamentação e substituirá o peito como regulador após o desmame.
Amamentação em livre demanda
A amamentação por livre demanda e a sucção (de peito, dedo etc) fazem parte do ninho típico da nossa espécie. Sempre que filhotes são criados fora do ninho típico das suas espécies, acabam por se tornar indivíduos atípicos da mesma espécie.
A livre demanda, do ponto de vista psicológico, trata-se da capacidade da criança de se sentir suprida na sua necessidade primal, de se alimentar, se regular fisiologicamente, de ter contato físico etc.
A livre demanda de uma criação recém nascida não é igual a de uma criança com 2 anos e meio de idade, porque uma criança que acabou de nascer não tem capacidade de entendimento para saber se a mãe precisa fazer xixi agora ou senão está em casa.
É errado dizer que a mãe é anulada nesse processo, como algumas pessoas irresponsáveis acusam a livre demanda de fazer. A criança não tem como ter entendimento para fazer diferente, é simples assim.
Amamentação e a cama compartilhada
Para os pais que fazem cama compartilhada, muitas vezes surge o questionamento de se estão atrapalhando o sono da criança, porque muitas delas acordam muitas vezes para mamar. Mas o caminho de entendimento não é bem esse.
Na prática se você observar outros mamíferos dormindo, perceberá que os filhotes mamam por diversas vezes ao longo da noite. A mãe, em geral, continua dormindo enquanto o filhote mama e volta a dormir.
Nossas crianças humanas foram projetadas para ter essa mesma experiência. Acordar ao longo do sono, mamarem e voltarem a dormir, muitas vezes sem qualquer intervenção da mãe e/ou outros cuidadores.
A questão é que quando fazemos cama compartilhada ou quarto compartilhado, tendemos a perceber mais que os bebês acordam, enquanto que crianças que dormem em quartos separados muitas vezes acordam, choram sozinhas e acabam voltando a dormir, sem que os adultos percebam esses movimentos.
Quando se deve desmamar?
Vamos direto ao ponto: biologicamente falando só é hora de desmamar quando a criança para de mamar ou diminui consideravelmente a frequência da amamentação. Veja bem: a criança, somente ela, sozinha e sem intervenções. Qualquer coisa diferente disso não constitui ainda o momento adequado para aquela criança desmamar.
De acordo com o livro “Breastfeeding: Biocultural Perspectives“, quando observamos outros primatas na natureza, que não passaram por mudanças sociais como as nossas, verificamos que a idade natural do desmame costuma ocorrer entre 2,5 e 7 anos de idade. A maioria dos filhotes de macaco desmamam quando nascem seus primeiros molares permanentes. Nos seres humanos isso dá entre 5 anos e meio e 6 anos de idade.
Chimpanzés e gorilas amamentam seus filhotes pelo menos seis vezes mais que a duração de suas gestações. Se considerarmos nosso tempo de gestação, de 9 meses, estamos falando de 54 meses, o que dá mais ou menos uma idade de 4 anos e meio no ser humano.
Um estudo com primatas demonstrou que seus filhotes foram desmamados ao atingir cerca de 1/3 do seu peso adulto. No ser humano, esse peso costuma ocorrer entre 5 e 7 anos de idade. Ainda, na maioria dos primatas o desmame ocorre na metade da idade da sua maturidade sexual, algo como 6 a 7 anos de idade nos humanos.
Considerando todos esses estudos com primatas, percebemos que em geral provavelmente teríamos um ciclo natural de desmame entre 4 a 7 anos de idade no ser humano.
Além disso, sabemos que o sistema imunológico de uma criança não amadurece completamente até os 6 anos de idade e que o leite materno ajuda a desenvolver o sistema imunológico. Esse seria mais um motivo para amamentar por mais tempo.
Seguindo nossa perspectiva evolucionista, pensamos que a seleção natural favoreceu as crianças que desejam amamentar por mais tempo, por isso elas continuam pedindo pelo peito materno e, deveriam tê-lo se assim for possível para a mãe.Da ótica da criança esse é, sem dúvida, o melhor caminho.
Considerando todos esses pontos, é improvável que o verdadeiro desmame liderado por crianças ocorra antes dos 4 anos de idade.
Uma das dúvidas que surge com frequência é a de que a mãe já está cansada e, por isso, a criança também não deve estar tendo uma boa relação com a amamentação, mas isso é um mito. Se a criança segue mamando é porque esse hábito ainda é positivo para ela. Não podemos confundir o mundo do adulto com o mundo da criança.
Para uma criança, amamentar é um imperativo biológico. Ela até pode se adaptar a outras estratégias caso não tenha a amamentação como opção, mas essa será sempre sua primeira escolha se assim o puder. Quando não tiver mais interesse ela, e somente ela, vai sinalizar.
Já a mãe, por outro lado, tem a opção de não amamentar. Essa escolha nunca seria feita naturalmente por um bebê ou criança.
Tem crianças de 7 anos ou até mais que seguem mamando e isso faz parte sob a ótica neurocompatível, que leva em conta também a individualidade de cada criança. Algumas precisam de menos tempo, outras de bem mais. Não é raro ver casos de crianças que mamam por mais tempo e um dia simplesmente não querem mais. Simples assim.
Considerando que o desmame foi feito, alguns comportamentos naturais podem surgir, como querer ficar em contato com o peito (dormir segurando nele, por exemplo). Isso ocorre porque existe um processo de desligamento, são etapas de um processo bonito e necessário. Se a criança precisa desse processo, nós respeitamos e permitimos esse contato.
Como desmamar de forma neurocompatível?
Agora que você já entendeu que nenhuma criança desmamaria cedo sozinha, vamos abordar o comportamento da amamentação para famílias que optem por desmamar, mesmo que essa não seja a escolha da criança.
Não existe uma forma certa de desmamar. Cada criança é uma criança, cada mãe é diferente e cada processo de amamentação tem também suas particularidades.
Existem crianças que param de mamar simplesmente se a mãe parar de oferecer. Outra crianças possuem uma necessidade biológica de sucção maior e quando tentamos limitar suas mamadas, acabam reagindo bastante.
Apesar de algumas pessoas venderem a ideia que é possível fazer um desmame noturno, que é só acalmar a criança de outra forma, que dá para treinar com colo e fazer desassociação, o funcionamento não é bem assim.
A amamentação envolve sistema de recompensa, é um comportamento com alto valor biológico e quanto mais um comportamento envolve a sobrevivência maior é a resposta. Através da loteria genética, algumas crianças nascem com habilidade mais aprimorada de sucção e quando tentamos fazer hierarquização de estresse (usado na desassociação) elas não toleram. Essas crianças precisariam de uma quebra abrupta da amamentação porque se fossem deixadas naturalmente, mamariam enquanto suas mães dormem.
Então, quando uma família quer desmamar um bebê ou tem um bebê que mama muito, de hora em hora, e deseja diminuir esse comportamento, deve-se empoderar os pais, esses sim são os maiores conhecedores dos seus bebês.
O desmame neurocompatível é aquele em que os pais observam como seus filhos reagem e vão agindo da melhor forma possível dentro disso, dada a decisão. É uma construção de cada um. Para muitos será mais fácil, bastará parar de oferecer o peito, combinar horário com a criança, usar apenas um local da casa para amamentar, parar de dar mamá em locais públicos e assim por diante. Para outras famílias, essas mesmas estratégias vão causar ainda mais compulsão na criança.
Entenda: a privação de um comportamento de alto valor biológico que envolve sistema de recompensa gera compulsão. Então se começamos a tirar o peito e a criança se irrita e aí ela não tem o próprio peito para acalmá-la, quando o peito vem a criança não quer mais tirá-lo da boca porque fica com medo de ficar sem.
Para essas crianças que têm forte necessidade de amamentação é preferível optar pelo desmame total, com algum substituo de apoio para a criança. Esse substituo pode ser um ursinho para abraçar, algum suco quando der saudades do mamá ou outros itens, mesmo sabendo que serão dias muito difíceis (com certeza mais para ela do que para vocês).
Tentar desmamar de forma gradativa, vulgo “desmame gentil”, vai gerar estresse e muitas vezes compulsão conforme explicado anteriormente. Desmame abrupto também gera estresse, mas o gentil é pior. Sejam pais empoderados, sigam seus corações.
Dúvidas comuns
Terei outro bebê: preciso desmamar o filho mais velho?
Não, de forma alguma. Para uma criança que continua mamando é devastador emocionalmente ser afastado de suas mamadas pela chegada de um novo irmão.
Por isso, caso a mãe deseje, é totalmente possível continuar amamentando enquanto está grávida e após o nascimento de outro bebê.
Você pode procurar outras mulheres que já passaram por essa situação. Pesquise mais sobre amamentação em tandem.
Filho mais velho voltou a querer mamar depois que o mais novo nasceu.
Sem problemas, pode voltar a oferecer o peito e isso pode ser muito importante emocionalmente ao mais velho. Apenas observe se ele ainda sabe fazer a pega, e ajude nesse processo caso não saiba, para evitar que se machuque.
Seguir amamentando após 6 meses pode atrapalhar a alimentação?
O leite materno é o alimento mais completo do mundo, ele nunca vai fazer mal ou atrapalhar um novo esquema alimentar e sim deixá-lo ainda melhor.
Amamentar meu filho por muito tempo pode gerar problemas futuros entre mãe e filho?
Infelizmente profissionais não atualizados e sem compromisso com a ciência, propagam informações erradas e arcaicas, inclusive associando a amamentação a problemas sexuais futuros. Sexualizar a amamentação é um problema de uma sociedade hipócrita e deveria ser considerado um tipo de violência da psicologia infantil.
Lutar contra a amamentação é lutar contra a vida. Até os 6 anos de idade crianças não possuem a imunidade de um adulto e o leite materno as ajuda.